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ARTIGOS - GOVERNANÇA NO RIO

Como a cegueira compassiva pode nos impedir de ter uma visão mais ampla

by Ago 8, 2019Mediação4 comments

Há pouco mais de um mês me recuperava de uma cirurgia refrativa para corrigir o grau de miopia. A recuperação foi mais lenta que o previsto e repleta de altos e baixos. Ao longo desse período percebi que o mais difícil não foi sentir na pele a deficiência visual, foi muito além disso, era a cegueira compassiva.

Viver na pele essa experiência me fez olhar o mundo de outra forma, com novas lentes.

Mexeu profundamente comigo em todos os sentidos. O olfato, por exemplo, ficou mais aguçado; o tato mais valorizado (lembro dos banhos “no escuro” onde uma pisada errada podia provocar danos inimagináveis); o paladar também ficou mais apurado, sentia uma vontade enorme de comer comidas ricas em sabor – a maçã tornou-se mais saborosa.

A cegueira provisória me abriu a visão para coisas que os olhos até então não eram capazes de enxergar. Tive acesso aos meus medos e sombras de forma avassaladora, e graças a Deus percebi em tempo que aquele problema foi um instrumento para que eu “virasse a chave”, permitindo-me enxergar novos horizontes e valorizar ainda mais meus relacionamentos.

Pouco a pouco, durante o processo de recuperação visual, pude ver o mundo de outra forma, a partir de uma perspectiva ainda mais ampla, mais compassiva, mais empática e mais humana. Isso foi transformador!

Apesar de sentir muito medo do “abismo”, a escuridão trouxe mais amor e vontade de conectar-me às pessoas. Cada vez que eu enxergava uma pessoa batia a vontade de tocar seu coração, na criança que reside em todos nós.

Cada ligação que recebia tocava minha menina interior tão profundamente que eu nem consigo explicar, apenas sentir e emocionar-me ainda mais. Estou certa de que o tempo mostrará ainda mais aprendizado a partir dessa experiência.


Foto crédito: Jcomp – Freepik

Na minha revisão para tirar as lentes de contato que funcionavam como barreira protetora da minha córnea, os médicos foram bem claros em relação aos riscos que corri – eu havia cometido o erro de retirar as lentes em casa, quando o procedimento era para ter sido realizado no consultório, e que eu ainda precisava tomar alguns cuidados.

Confesso que saí da consulta muito emocionada e com um sentimento gigantesco de gratidão. Precisava falar com o meu marido e com algumas pessoas que agregam valor à minha existência: e foi exatamente isso que eu fiz! Ainda sigo agradecendo e mostrando a essas pessoas o quanto as valorizo.

Senti muita falta do meu trabalho, da minha vocação profissional e também de abraçar as pessoas, sobretudo aquelas que me são caras. Aquele estado de vulnerabilidade permitiu que eu percebesse o quanto somos frágeis e o quanto podemos nos tornar ainda mais fortes quando estamos ao lado de pessoas que valorizam seus relacionamentos. Além disso, viver essa experiência trouxe-me a compreensão do quanto nossa aparente “vulnerabilidade” nos confere ainda mais força e coragem.

O processo também me levou a perdoar algumas pessoas e emanar compaixão para todas elas. Percebi que sou grata pela oportunidade de me libertar desses sentimentos totalmente desnecessários e de me livrar do lixo emocional que carregava. Carregar consigo o lixo emocional pesa, e isso pode atravancar sua vida e carreira.

No fim das contas, o que se pretende aqui é provocar uma reflexão acerca da nossa comunicação, da capacidade de nos conectarmos com as pessoas, que pode ser um tanto desafiador diante dos ruídos que nossa atual forma de comunicar pode gerar. Nem sempre a linguagem que usamos em nossa comunicação é a mais adequada.

É importante observarmos os padrões que usamos ao nos comunicarmos. Como medir a qualidade de nossa comunicação? Como é nossa comunicação em casa, quando estamos entre amigos e no ambiente de trabalho? Demonstramos empatia e escutamos ativamente o outro? Somos compassivos quando falamos com nossos filhos ou com nossos parceiros de negócios? De que forma nós cariocas e fluminenses estamos nos comunicando? Como essa conexão é feita para gerar uma união mais compassiva?

Em 2016, conheci a Comunicação Não-Violenta (CNV), do Professor Marshall Rosenberg, e fiquei encantada com sua abordagem. Era diferente de tudo o que havia estudado. Sou grata ao professor Dominic Barter pelos seus ensinamentos. A CNV visa atribuir maior qualidade em nossa comunicação, ajuda-nos a conectar tanto com os sentimentos de origem como aqueles gerados pelos conflitos.

Ressalta-se que a aplicação da técnica requer prática e aprimoramento contínuo. Constantemente a CNV é aplicada nos tribunais, especificamente em processos de mediação, tanto em conflitos familiares como nas controvérsias empresariais. A CNV também é aplicável em nossas relações amorosas e entre amigos, ela fornece um olhar mais compassivo para com o outro.

Em seu livro “Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, Marshall Rosenberg explica que a CNV se baseia em quatro componentes: observação, sentimento, necessidades e pedido. Para melhor ilustrar a aplicabilidade das técnicas de CNV cabe o exemplo trazido pelo autor.

– “Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três perto da TV fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço que usamos em comum. Você poderia colocar suas meias no seu quarto ou na lavadora?”

Observe que o diálogo acima representa uma conversa entre uma mãe e seu filho, que de forma reiterada deixa suas meias fora do lugar. Essa mãe expressa o que observou (observação), diz como se sente (no caso, irritada), revela o que precisa (necessidade) e formula um pedido.

Como visto, as técnicas de CNV transformam potenciais conflitos em diálogos pacíficos, criam conexões de compaixão para com o outro e potencializa as chances de se obter êxito em negociações complexas de qualquer ordem, seja profissional, familiar ou social.

Pode-se dizer que a Comunicação Não-Violenta é um conjunto de técnicas que permitem um indivíduo identificar a raiz de seus próprios conflitos, ajudando-o a resolver seus dilemas sem prejudicar suas relações, além de auxiliá-lo no fortalecimento das variadas interações, tornando-as mais leves e devidamente valorizadas. Os princípios e técnicas da CNV podem melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas nos meios em que interagimos.

O diálogo prospera quando ampliamos nossos ouvidos para uma escuta ativa e empática. Significa visitar o lugar do outro e praticar a empatia o tempo todo – isso exige o esvaziamento de todos os sentidos para ouvirmos verdadeiramente com todo o nosso ser.

Marshall Rosenberg diz que a presença que a empatia requer não é fácil de manter. Ele assegura que a CNV nos ajuda a reformular a maneira pelo qual nos expressamos e ouvimos os outros. Logo, no lugar de conjugar o eu entra o nós, gerando ainda mais significado em nossas vidas.

Ressalta-se ainda que a formação da CNV é uma jornada: não tem uma data para se encerrar e requer aprimoramento contínuo, pois compreende um processo evolutivo. Estudar e aprofundar as técnicas da CNV, poderá contribuir com sua transformação pessoal, tornando-a uma pessoa muito melhor e mais feliz, além de melhorar suas relações de negócios.

Espero que você se sinta tocado por essas reflexões, seja compassivo com você mesmo e com as pessoas com as quais interage, e que influencie positivamente a vida de muita gente.

O Rio e o Brasil precisam de pessoas mais compassivas.

 

Luana Lourenço - Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador. LL.M em Direito Empresarial com Especialização em Compliance Avançado pela FGV Direito Rio. Cursa o Máster Profesional em Compliance na IMF Business School, em Madri. Professora de Pós-graduação na Universidade Católica do Salvador. Diretora-Fundadora da Ocean Governança Integrada – Direcionando Empresas. Fundadora do Portal Governança no Rio - uma iniciativa para construir a integridade e desenvolvimento sustentável na cidade e no estado do Rio de Janeiro.