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Inclusão Social: Brasil e os 45 milhões dos quase invisíveis

by Set 17, 2019Inclusão Social1 comment

Dia desses, no caminho para o trabalho, deparei-me com uma cena comum, porém difícil de compreender. O motorista teve que sair do ônibus para ajudar um passageiro cadeirante a descer. Ele pegou uma chave, destrancou uma porta na lateral do veículo, a abriu, retirou o elevador de dentro, desdobrou-o, pelo controle remoto subiu o elevador, ajeitou o passageiro, desceu o elevador e, após o cadeirante ir embora, fez todo o processo contrário novamente para guardar o elevador de acessibilidade.

Na minha análise, a descrição dessa cena cansa de ler (e de ver!). Mais do que isso, mostra a inacessibilidade de um instrumento que deveria dar mais autonomia àqueles que têm algum tipo de deficiência física. Em vez disso, mostra-se como mais um obstáculo, e causa desconforto nos demais passageiros pela demora. É verdade que nem todos os elevadores são desse modelo, mas também não são fáceis de manusear.

Entendo as dificuldades das pessoas com deficiência (PCDs) porque trabalhei durante anos na equipe de comunicação da Associação Brasileira de Futebol em Cadeira de Rodas (ABFC) e da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), onde tive contato pela primeira vez com esse universo. Posso afirmar que fenômenos como o “elevador inacessível” do ônibus, rampas construídas de forma errada e outros enganos são possíveis porque o debate sobre o tema é inócuo. Antes de trabalhar nessas instituições eu não tinha informações sobre deficiência nem imaginava a quantidade de recursos que existem e que possibilitam aos PCDs desfrutarem suas vidas de forma plena. Hoje acompanho pouco, por meio dos muitos amigos que fiz.

Em estudo intitulado “Representação social da pessoa com deficiência na contemporaneidade”, o jornalista Luciano Oliveira Alves do Nascimento fez uma análise da cobertura do tema – da evolução do termo usado para se referir a pessoas com deficiência, desde a antiguidade, ao espaço de debate na sociedade e à importância da representatividade, concluindo que ainda há muito o que avançar.

Por ocasião de seu estudo, a rede Globo passava em horário nobre a novela Viver a Vida, na qual a protagonista, uma jovem modelo, sofria um acidente que a fez perder os movimentos do pescoço para baixo (tetraplegia). A novidade foi que a personagem viveu plenamente a sua deficiência: a TV mostrava o tratamento, as pequenas conquistas, o dia a dia da personagem na busca por mais independência, as adaptações e as tecnologias assistivas que a ajudavam nas tarefas simples. A novela criou um canal (um blog) para dialogar com os telespectadores sobre as conquistas na reabilitação da personagem e sobre as adaptações, e um mundo se abria para milhares de pessoas que não tinham ideia de todas as suas possibilidades. Além disso, a abertura e o encerramento traziam fotos e histórias de pessoas reais. Foi um sucesso!

Isso porque, de acordo com o último Censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, cerca de 45,6 milhões de brasileiros, ou 23,9% do total da população de 2010, declararam ter algum tipo de deficiência. Se considerarmos suas famílias, o universo de pessoas impactadas é ainda maior. Já o Rio, segundo pesquisa do Instituto Pereira Passos, tinha cerca de 1,5 milhão de pessoas com deficiência, ou 25% do total de cariocas e fluminenses (6,32 milhões). Assim, vê-se que há um mundo de possibilidades.

Olhar para todos esses cidadãos pode ter motivação social e econômica. Pessoas com deficiência estudam, trabalham, praticam esporte, namoram, utilizam transporte público, divertem-se, pagam impostos e precisam ter acesso a serviços públicos, como saúde e sistema judiciário.

É necessário enxergar esses milhões de pessoas como partes da comunidade, com o objetivo de compreender suas reais necessidades, de forma a desenvolver políticas públicas mais eficazes. É fundamental dar qualidade de vida a elas e suas famílias, com políticas afirmativas de inclusão, a fim de integrá-las totalmente.

Mas como estamos cuidando hoje das PCDs na cidade e no estado do Rio? Qual o estado de nossas calçadas? Há sinalização adequada? Como está a acessibilidade aos prédios públicos e aos aparelhos culturais, escolas e universidades? Nesse quesito, o nosso transporte público é o primeiro passo, é o que irá garantir a essas pessoas o direito de ir e vir para exercer suas atividades, e carece de atenção.

Datas como o Dia Nacional de luta da Pessoa com Deficiência, comemorada no próximo sábado, dia 21 de setembro, tem como função não nos fazer esquecer essa missão – de que é preciso olhar as PCDs não como coitados ou como heróis, como há na análise do jornalista Luciano Alves, mas sim como pessoas comuns que querem ter garantido seus direitos, como qualquer cidadão.

 

Janaína Salles - Bacharel em Comunicação Social/ Jornalismo, cursa o MBA em Gestão de Marketing. Participou do Programa Latino-Americano de Seminários em Governabilidade, Gerência Política e Gestão Pública – Fundação Getulio Vargas (FGV)/ Banco Latinoamericano de Desenvolvimento (CAF)/ The George Washington University. É atualmente editora-chefe do Governança no Rio.