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ARTIGOS - GOVERNANÇA NO RIO

O Rio de Janeiro e as enchentes de todos os verões

by Out 8, 2019responsabilidade social0 comments

Incrustada entre o mar e a montanha, a cidade do Rio de Janeiro deve à sua topografia tanto suas belezas naturais quanto a fragilidade em relação aos temporais. Chuvas torrenciais, aliás, fazem parte da história da cidade desde sua fundação. Registros indicam que o Padre Anchieta, em 1575, descreveu em carta que “…choveu tanto que se encheu e rebentaram as fontes…” (ANCHIETA apud CORRACY, 1965).

A história recente indica que a enchente com maior impacto ocorreu em 1966, com 250 mortos e 50 mil desabrigados.  Nesse nosso tão difícil 2019, ocorreram 10 chuvas que causaram grandes transtornos, modificaram a rotina da capital fluminense e deixaram 17 vítimas fatais de triste saldo.

Recorrentes e previsíveis, as enchentes deveriam merecer mais atenção dos nossos governantes. A cada episódio, os mesmos problemas vêm à tona: alagamentos, deslizamento de encostas, queda de árvores, desabamento de prédios, vias intransitáveis, famílias desabrigadas, etc., etc.

É fato que chuvas torrenciais ocorrerão. Fazem parte do DNA da cidade, sendo impossível impedi-las. Portanto, é inadmissível que, sabido isso, todas e quaisquer medidas de prevenção e de mitigação das consequências não sejam incorporadas à rotina de gestão da prefeitura.

Projetos como o Programa de Combate às Enchentes da Grande Tijuca –  investimento de R$ 460 milhões que envolveu a construção de três piscinões sob as Praças da Bandeira, Niterói e Varnhagen –, além do desvio do Rio Joana, finalizado em abril, têm o potencial de reduzir os transtornos provocados por fortes chuvas no Centro e na Zona Norte. O Rio Joana tem o maior túnel de drenagem urbana do país, com 2,5 quilômetros de comprimento. Atualmente, ele passa pela Tijuca e se encontra com o Rio Maracanã, seguindo pela Praça da Bandeira até o Canal do Mangue, que desemboca na Baía de Guanabara. O projeto resolve o problema das enchentes, exceto quando essas coincidem com períodos de grandes altas de maré. Mas é um importante avanço!

Projetos assim são transformadores, alteram o curso da história, resolvendo definitivamente o problema. Um bom exemplo ocorreu na cidade de Curitiba, onde a conclusão de obras de drenagem e macrodrenagem evitaram os alagamentos e desabrigados, frequentes antes das intervenções.

No caso do Rio, tão ou mais importante quanto a conclusão do desvio do Rio Joana será a devida manutenção do sistema de piscinões e túneis. As enchentes arrastam grande quantidade de detritos e sujeiras que, se não forem devidamente retirados após a baixa da água, impedirão o correto funcionamento do sistema na próxima ocorrência.

Além das grandes obras, é necessária a efetiva atuação do poder público na prevenção do aumento dos fatores de risco. Impedir a ocupação desordenada do solo, câncer que assola a nossa cidade há décadas, é ação preponderante. A ampliação das comunidades nos morros, avançando criminosamente com a retirada da cobertura vegetal, que estabiliza as encostas com suas raízes e impede a erosão do solo, demonstra claramente a inoperância da prefeitura na prevenção dos deslizamentos.

A (falta de) fiscalização sobre lançamento irregular de lixo, que nesse ano causou o desabamento e interdição do Túnel Acústico Rafael Mascarenhas por 64 horas, é outro aspecto relevante do trabalho de prevenção. Curioso, senão trágico, foi a coincidência com a interdição da Niemeyer, praticamente isolando a Zona Sul da Zona Oeste, com repercussão em todo o trânsito da cidade naquela sexta-feira, 17 de maio. A Avenida Niemeyer, aliás, permanece interditada desde então, sem qualquer perspectiva de liberação, impactando diretamente na qualidade de vida de todos aqueles que dependem da ligação entre as duas regiões da cidade.

A tecnologia está hoje presente em todas as nossas atividades. A meteorologia nos permite saber antecipadamente, com altíssimo nível de assertividade, o volume pluviométrico esperado, onde este ocorrerá e por quanto tempo. Dito isso, é absolutamente inadmissível que a Defesa Civil não atue preventivamente no alerta às comunidades a serem impactadas; não interdite vias sujeitas a desabamento; e não evacue áreas de maior risco, evitando a perda de vidas. De nada adianta a tecnologia do século XXI se os nossos processos ainda são da Idade Média!

O verão e suas chuvas torrenciais já estão no horizonte: isso é certo! O incerto, infelizmente, é se estaremos preparados. Nós, cariocas, esperamos que sim!

Demir Lourenço Junior – é Bacharel em Ciências Náuticas; Pós-graduado em Gestão de Sistemas de Informação pela UFF; Pós-graduado em Gestão Empresarial pela FGV; MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela Fundação Dom Cabral e INSEAD; Advanced Management Program pela ISE/IESE; Conselheiro de Administração formado pelo IBGC; Membro do Conselho Superior da Associação Comercial da Bahia; Diretor-Executivo do TECON Salvador; e Diretor-Presidente da Wilson, Sons Logística.